A arte de viver

Depois de um ano tão cheio de surpresas, desde o início. Foram momentos de extrema alegria, conquistas, perdas, idas, fechamento de ciclos, novidades que alegraram o coração de uma nova vida chegando, e a partida de uma vida que durou noventa e dois anos, uma vida de dedicação total à família, desafios e pedras no caminho, mas formou uma família que frutificou com filhos, netos e bisnetos. Minha sogra Lucia. Ofereço esta crônica a ela, uma mulher que me recebeu na sua família como uma filha, e eu pude falar em vida o carinho que eu tinha e continuarei a ter por ela.

O ano ainda não terminou, depois de quase um ano de ter comprado o ingresso para o show da minha vida, ‘Maria Bethânia e Caetano Veloso’, pude ver de perto meus dois ídolos, na verdade, não acho que gosto tanto deles só pelos artistas que são, mas pela conexão que sinto quando estou ouvindo suas músicas, ou estando no mesmo lugar que eles estão. É um sentimento, uma emoção, assim como senti quando fui pela primeira vez a Salvador, pois sinto que tenho alguma conexão com essa cidade. Estou realizada, me sinto abençoada por ser quem sou, e pelo que me atrai, as pessoas que fazem parte da minha vida, minha família, meu trabalho e meus poucos amigos, mas de verdade.

Ainda teremos o Natal tradicional da minha família, esse diferente de tudo o que já passamos, na casa da minha filha, que formou sua família e está muito feliz, e minha sobrinha perto de nos trazer uma nova vida. Todos juntos e reunidos como sempre. Meu marido perdeu sua mãe muito perto desta data, mas compreende que a nossa família, filhos e netos estamos com ele, e todos os outros também. E onde estiver, dona Lucia ficará feliz em estarmos unidos nesta data que ela tanto gostava.

Ano que vem vocês conhecerão uma história de família que eu tenho muito orgulho de pertencer, poder mostrar um pouco de onde vem tudo o que sou e de quem começou. A família que me fez aprender os valores que tenho, os talentos, o gosto musical, a união, e minhas reflexões do mundo em que vivemos. A música da minha ‘ídola’ Maria Bethânia diz bem o que representa a vida que eu enxergo e coloco em minhas reflexões.

‘Quem me chamou?
Quem vai querer voltar pro ninho?
E redescobrir seu lugar
Pra retornar e enfrentar o dia a dia
Reaprender a sonhar

Você verá que é mesmo assim
Que a história não tem fim
Continua sempre que você responde: Sim
À sua imaginação
À arte de sorrir cada vez que o mundo diz: Não’

(Maria Bethânia)

Por Maristela Prado

A Solidão na Era Digital

Os dias correm, as pessoas correm, ninguém tem tempo, conversam sozinhas com um celular, as pernas não alcançam mais o mundo lá fora, o olho no olho, o abraço, a risada, os encontros. Antes podíamos chegar na casa de alguém sem avisar, mesmo porque nem todo mundo tinha telefone fixo, o meio de comunicação era apertar a campainha, se estivesse era recebido com alegria, se não estivesse ia embora sem reclamar, ficava para a próxima tentativa.

Hoje é só à base de mensagem, a pessoa responde ou não, e você fica sem resposta. Os celulares ficam sem som de tanta fraude e tentativas de golpe, é melhor nem ouvir. Chegar na casa de alguém sem avisar, é falta de educação. Passam os dias, os anos, as horas e ninguém mais se procura. Mesmo nessa modernidade toda que vivemos deixamos de ter contato.

O que aconteceu com a vida que mudou tanto e a gente nem percebeu? Agora estamos colhendo os frutos podres dessa plantação de desprezo, de tanto faz. Estamos acompanhados de um celular o dia todo, mas sozinhos.

Queria eu voltar uns quarenta anos para sentir as emoções que deixaram de existir. O telefone tocar sem saber quem era, mandar carta para quem estava longe; ou até mesmo cartão postal de viagem, quantos eu recebi. Um telegrama de parabéns, a gente ficava tão feliz! Sair de carro com o vidro aberto sem medo de assalto, fazer uma reunião de amigos no seu aniversário sem luxo nenhum, só um bolo feito pela mamãe e salgadinhos comprados a granel.

Vejo as festas luxuosas para uma criança que nem vai lembrar daquele dia, e vai querer brincar, ficar suja sem se preocupar se o papai pagou caro naquilo tudo, criança é criança, até a princesa Charlote faz birra. Todos com tudo do bom e do melhor material, mas sem o principal, atenção. Tem cartinha nos correios de criança pedindo material escolar, ou uma cadeira de rodas para alguém, enquanto outras ganhando o que nem precisa, mas todo mundo tem, não pode contrariar, não pode dar bronca, não pode educar.

Acho que as gerações passadas aprenderam muito mais sobre amor do que sobre ter, sobre ter aprendemos a batalhar, mas sobre amor é dedicação, carinho, presença e respeito. Não que os pais de hoje não o façam, mas as distrações de hoje separam até mesmo dentro de casa.

O tempo está passando e não estamos vivendo, estamos indo sem saber para onde, sem rumo. E o que será de nós se isso não parar? Fica a reflexão.

Por Maristela Prado

O SUS e a saúde privada

Em meio a tantos problemas que enfrentamos diariamente a serem resolvidos dignamente, ou melhor, humanamente, nossos parlamentares eleitos para darem voz ao que o povo necessita, novamente retornam a um assunto completamente descabido. A proibição do aborto.

Podem falar o que quiserem, mas eu, como mulher, não aceito uma lei que proíba a interrupção de uma gravidez por estupro, e, o que é pior, de uma criança estuprada ser obrigada a levar uma gravidez adiante, criança não pode ser mãe. Não somos obrigadas a seguir lei para ser mãe de um filho de um estuprador, muito menos uma criança.

Em vez de retornarem a um assunto tão fora de contexto neste momento, por que não priorizam a saúde no país? Além do Brasil, outros sete países têm convênio particular, mas o serviço público também é pago. Nenhum país tem sistema como o SUS, do qual tantos brasileiros reclamam, mas não funciona direito por quê? Não tem investimento e os convênios pagos estão cada vez piores e caros. Conclusão, estão migrando para o SUS, que não tem condições de atender toda essa população que está parando de pagar. Existem muitos convênios, um pior do que o outro e caros, e quando você precisa não cobrem, não autorizam, não fazem o reembolso devido, não se consegue consulta, não tem médico.

Parem de reclamar do sistema público, pois muitos convênios são um SUS pago. A solução seria ter hospitais de qualidade e bem equipados no SUS, com profissionais comprometidos, e acabar com todos os convênios, porque morrer se morre num hospital de celebridades ou no SUS. Não tem privilegiados, isso o dinheiro não compra. A vida não é comprada, não dá para você vir com aquela frase ridícula pronta. “Estou pagando”. A sua hora não é corrompida.

Esta semana constatei o quanto não vale a pena ter convênio. Uma senhora de 92 anos, com pneumonia e insuficiência cardíaca, chega ao pronto-socorro de um hospital particular da minha cidade e fica quarenta horas na sala de observação esperando um leito de UTI. Um descaso com a vida e uma vergonha para a nossa saúde, e não estou falando de hospital público, é particular.

Não bastasse isso, quando finalmente foi para a UTI, um dia depois já queriam liberá-la, pois a pneumonia estava sob controle, mas e a insuficiência cardíaca, espera morrer? É claro que sim. Bons profissionais existem, mas nem sempre a orientação dos convênios é garantir o atendimento necessário.

Os hospitais públicos estão ficando cada vez mais lotados porque não se tem controle no aumento de preço desses convênios, fazem o que querem e como querem, pode pagar, ok, não pode, fica sem. Simples assim, na visão comercial deles.

Agora, votar contra o aborto é privilégio, a saúde da mulher sempre sendo menosprezada, sendo colocada como incapaz de resolver sobre seu próprio corpo. Como se um estupro tivesse condição social para acontecer. Imagina a filha ou neta de algum deles grávida de um estuprador, seria normal, não é? Mas para quem tem poder a situação muda, mas o privilégio não. Somos todos mortais, não interessa aonde e quando vai morrer, mas vai, com dinheiro ou sem dinheiro.

Às vezes me pego pensando em tudo o que anda acontecendo e sinto que estamos vivendo como conseguimos, cada um a sua maneira. Estão nos contaminando com tantos absurdos, tomando decisões que não queremos, não é a voz do povo que está lá, é de cada um deles, e como querem fazer valer. Sinto que estamos largados na selva de pedra, tentando encontrar a saída, mas não tem saída. Seguimos vivendo.

Por Maristela Prado